18 julho 2005

Vergílio Ferreira, «Escrever», # 273, pg. 168

Que estranhos os limites da memória. A grande divisória faz-se hoje entre o que é mental e o que é sensível. Posso recordar qualquer ideia que tive, se não a esqueci. mas não tudo o que senti, mesmo se recordado ainda. Seja do que é dos sentidos ou da sensibilidade. Dos sentidos recordo o que é da vista, do ouvido, e largamente o que é do tacto, sobretudo quando são as mãos que recordam. Mas não um cheiro ou um sabor. E da sensibilidade física não é possível recuperar por exemplo uma dor de dentes ou mesmo um prazer sexual. Mas da psíquica, nenhuma alegria é recuperável no senti-la de novo e pode de novo atingir-nos na vergonha que nos tomou. As fronteiras da memória, para o que é recuperável ou não, passam por onde? O que é do ser mental é sempre possível que fique do lado de dentro. Mas porque fica também o que é de alguns sentidos e não de outros? Porque é que fica de fora a dor física ou o prazer? Porque fica de fora a alegria e não o vexame? Deve haver uma razão. Não sei.