Vergílio Ferreira, «Escrever», # 108, pg. 72
Porque te há-de ser agradável «conversar»? Dirás que há o desdobramento de ti, o entretenimento de um jogo verbal, a aprendizagem que vem sempre na conversa com os outros. Mas podias contrapor a isso o esforço de atenção a que és obrigado, o cansaço da vigilância para dizeres coisas com interesse e não passares por ser idiota por sorrires apenas e estares calado. E há a má criação de não se estar activo e colaborar. E teres muitas vezes que fingir um interesse que não tens. Mas o interesse da conversa não tem geralmente sentido nenhum. É uma conversa em derivas, que não sabe onde irá dar, que inventa em cada ideia um disparo para um lado incerto, que se estrutura na desconexão e acidentalidade e imediato olvido, que é um não-ser feito palavra ou ruído. Por isso uma conversa que se fixe em gravação é um disparate que nos faz rir. E se se reduz à escrita é um disparate ilegível. Porque é que te agrada uma conversa? Exactamente porque ela se esquece. E o que fica é um certo alívio de entretanto se existir.
E o existir pesa tanto.
E o existir pesa tanto.
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