17 junho 2005

Vergílio Ferreira, «Escrever», # 99, pg. 65

Todo o escritor que é original é diferente. Mas nem todo o que é diferente é original. A originalidade vem de dentro para fora. A diferença é ao contrário. A diferença vê-se, a originalidade sente-se. Assim uma é fácil e a outra é difícil. A diferença é uma fórmula, a originalidade é uma forma ou mais do que isso um modo de se ser. Para se ser diferente vai-se ao alfaiate ou à modista. Para se ser original vai-se ter com Deus no momento de nos fabricar. É fácil escrever-se sem pontuação ou com pontos e vírgulas em vez de pontos finais, ou escrever com minúsculas depois desses pontos, ou atirar com as palavras à arrebatinha e dispô-las como caírem, ou escrever ondeando em vez de a direito, ou cortar a prosa aos bocados e dispô-los em vários tamanhos, ou deixar as páginas em branco ou a preto, ou fazer qualquer sorte de piruetas como um palhaço de circo. Agora o que é difícil é sentir de um modo novo, recriar um mundo por sobre o que já foi recriado, ver o que os cegos constitucionais não enxergam. Pôr seja o que for de pernas para o ar não deixa de ser o mesmo por estar ao contrário. E se se usarem óculos inversores, ele volta a estar de pernas para baixo. Mas o escritor ou qualquer artista original torna visível um dos possíveis invisíveis para uma nova visibilidade. E essa nova visibilidade é que é diferente na maneira profunda de o ser. Ou então diremos de alguém não que é original mas um original.