09 agosto 2005

Vergílio Ferreira, «Escrever», # 200, pg. 125

«Nove décimos da nossa vida não se confessam. São sobretudo os da nossa fraqueza. Há um estatuto social que nos proíbe 'desabafar'. Mesmo com os amigos mais íntimos, o domínio da reserva é imenso. Uma parte dela vai às vezes para o médico, o resto para o travesseiro. É estatutário sobretudo não nos queixarmos. Seja do que for. E aí o domínio enorme do que nos humilha. Mas toda a queixa é já de si humilhante. Porque nos remete à situação de inferioridade, ou seja da superioridade dos outros perante quem nos inferiorizamos. E ser inferior, nunca. Assim uma pressuposta superioridade de quem de domina e se não queixa e um sinal inverso de petulância ou presunção, que é um defeito maior. De todo o modo, uma grande fracção da nossa vida vai para a cova connosco. Ou seja o mais historiável de nós, mesmo para os amigos, leva uma pedra por cima.»